quarta-feira, 8 de agosto de 2012


Poesia nas férias
Os poemas publicados neste blogue são apontamentos que serviram de base aos comentários que eu fazia aos meus alunos nas aulas de português do 9.º ano. Não podem ser confundidos com crítica literária, para a qual não tenho preparação. São, apenas, comentários escolares que poderão servir de inspiração a algum Colega mais jovem.
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Dia de Anos
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
Que fez  a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira!
João de Deus (1830-1896)
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O poema relata um encontro de amigos. Um deles faz anos; o  outro  manifesta, por isso, um enorme espanto: Ainda se os desfizesse…
-Na estrutura do poema, esta estrofe é a sua  proposição.

A segunda estrofe mitiga a surpresa, aduzindo o caso duma terceira pessoa,  que caiu no mesmo erro  aqui há um ano: Não sei quem foi que me disse / que fez a mesma tolice…
                - Na estrutura do poema, esta  segunda estrofe corresponde ao desenvolvimento.

As duas últimas estrofes são a conclusão: conselhos de amigo acompanhados das convenientes justificações:  Não faça tal… (estrofe 3);  Mas anos, não caia nessa!  (estrofe 4) .
                - Curiosamente, esta conclusão ocupa neste poema, um espaço maior do que o desenvolvimento.  E é natural, devido à natureza do poema:  um encontro de amigos  em que um, jocosamente,  tenta motivar o outro a  uma decisão inverosímil: deixar de fazer anos.
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Notai, agora, a clareza deste poema! Toda a gente o entende!  
E notareis ainda que se trata dum poema muito gracioso, originalíssimo devido à sua argumentação inverosímil.

E prestai, finalmente, atenção à sua técnica: 4 estrofes de seis versos (sextilhas), versos de 7 sílabas (redondilha maior) rima: aabccb: emparelhda (aa; cc) e interpolada (b - - b)
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 João de Deus viveu no  séc.XIX. (1830-1896). Licenciou-se em Direito ao fim de 10 longos anos de curso, em Coimbra.  Foi contemporâneo e amigo de Antero de Quental.  Não foi um bom estudante, nem um bom Advogado, mas  um bom poeta e, sobretudo, um grande pedagogo.  A sua obra mais notável foi a Cartilha Maternal, o livrinho por onde aprenderam a ler mutos milhares de portugueses.  Os jardins-escola João de Deus perpetuam-lhe  a memória .
Era natural de S.Bartolomeu de Messines.

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