domingo, 17 de março de 2013


A Espanha em choque
Ontem à noite, um canal espanhol  (Telecinco) promoveu um debate sobre o resultado de uma prova a que a Comunidade de Madrid submeteu os professores do ensino básico  que concorriam a colocação definitiva.

A primeira condição que aquela Comunidade impunha para a admissão era o saber elementar. Por isso, submeteu os concorrentes a uma prova minimalista, em que se testavam apenas conhecimentos que se esperam de um aluno de 12 anos, tais como:

                - localizar num mapa as principais cidades do país
                - saber por que províncias passam os principais rios
   - como se escrevem algumas palavras (pelos exemplos parece que os erros mais frequentes       estarão  na troca do  -b -  com   -v - )
    - quais as regiões autonómicas e quais as respetivas capitais,
    - distinguir um animal mamífero dum ovíparo
- e muitos outros temas que uma criança deve conhecer  ao terminar a sua  formação inicial –  (ensino primário era o termo usado pelos jornalistas).

Concorreram mais de 14000 (catorze mil!) professores –  e o resultado foi surpreendente: foram reprovados 86%  (mais de 12 000 professores).  Recordo que se tratava de professores já em exercício,  que se candidatavam a um lugar definitivo.
A Espanha está em choque.

Com a casa do vizinho a arder, acautelemos a nossa.
Se o Ministério da Educação de Portugal tivesse vontade – e  liberdade! -  para poder fazer o mesmo, receio bem que, na disciplina de português,  o resultado não seria muito diferente.

Não deveria ser professor de português quem não demonstrasse ser capaz de resolver, sem erros, uma prova de exame do 9.º ano da escolaridade. E não seria pedir muito, evidentemente. 

domingo, 3 de março de 2013


                   Redação

                        Uma senhora pediu-me
                        um poema de amor.
                        Não de amor por ela,
                        mas «de amor, de amor».
                       
À parte aquelas
            trivialidades «minha rosa, lua do meu céu interior»
que podia eu dizer
            para ela, a não destinatária,
            que não fosse por ela?
                       
Sem objecto, o poema
            é uma redação
dos 100 Modelos
            de Cartas de Amor.
                                                           Alexandre O'Neill

Notemos o título deste Poema: um título aparentemente remático. Dá a impressão de que O'Neill vai fazer uma redacção sobre um assunto qualquer. Mas não!
O Poema vai demonstrar que qualquer tentativa de poema de amor, sem ter como objecto o ser amado, seria mera redacção.
Este título é, pois, temático, ao contrário do que aparenta.

Mas vamos mais fundo - e analisemos o poema com alguma minúcia.
À maneira de desabafo, o sujeito poético conta uma situação: uma senhora pediu-lhe um poema de amor. E esta é a proposição, ou apresentação do tema, como já muitas vezes temos dito.
Mas há uma condição, um obstáculo, ou um : a senhora pôs como condição que o amor não seria por ela, mas um poema de amor sem destinatária.

Como vai O'Neill desenvolver este tema?
Dizendo, muito simplesmente, que  não é possível atender tal pedido.
É que - e é esta a conclusão -  sem objecto, o poema seria mera redacção.

Então… a Poesia tem um objecto?

É evidente que sim.
Já defenderam alguns - e esta foi a já velha posição de Sartre em Qu'est-ce que la littérature? - que a Poesia não é para significar coisa nenhuma. E colocam-na a par da música ou da pintura abstracta. As palavras na poesia seriam como as cores na pintura ou os sons na música...

Mas… perguntamos nós: então os sons ou as cores podem não querer dizer algo? Tanto fará, numa música, um som harmonioso como uma confusão de sons violentos?
E num quadro de pintura abstracta será indiferente a tonalidade escolhida pelo pintor?
É evidente que tanto a música como a pintura têm objecto na medida em que implicam sempre uma selecção de sons ou de cores - e, por isso, são expressão de algo. Porém na poesia, porque é arte da palavra, e esta é indissociável duma ideia, o compromisso com um objecto é ainda muito mais evidente.
Não é possível poesia sem palavras; e também não são possíveis palavras sem ideias.
Ao acontecer, a Poesia exprime sempre algo. Se o poeta tem um objecto, pode acontecer Poesia; se o não tem, o poeta cala-se, ou deveria calar-se. Poesia sem objecto, não, não a há.
O´Neill teve razão: sem destinatário não é possível um poema de amor....