quinta-feira, 7 de junho de 2012


Poesia às quintas (2)

João Maia (1923-1999)
João Maia é um poeta da nossa terra, ali de Fundada (Vila de Rei). Cedo foi para o seminário dos Jesuítas, onde, entre outras coisas,  foi Padre, poeta, professor do Ensino Superior, crítico literário, comentador de rádio e televisão e grande escritor.
A seu respeito,  disse Bigote Chorão: Dizia Vitorino Nemésio que não é escritor quem escreve, mas só quem inventa escrevendo. Ora, … João Maia está sempre a inventar. Assim, a cotovia é “alegria do céu a tocar a terra”, o morcego lembra “farrapo esticado em varetas de guarda-chuva”.
A sua poesia, como a sua prosa, são invulgarmente belas. surpreendem sempre, tanto pela excelência da forma como pelo seu sentido poético.

Conheci-o muito bem. Foi meu professor de literatura grega.
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Exposição de Pintura

É preciso coragem
para ir ver a nossa angústia entornada
o último trapo a arder nos incêndios
e a última tábua da lancha naufragada.

Deixemos à porta a bengala e o chapéu
os conceitos as noções convicções tropeços
e a nossa doce paz e a nossa segurança.
Vamos medir a olho e a pesar sem balança
estes traços - restos que podem ser começos.

Primeira pergunta: - é isto o Céu ou o Inferno?
- Isto, meu senhor, não tem definição.
São tintas anónimas, talvez nuas, porque não?
o quadro não se vê mas acredite que é eterno.

Há de reparar que é um quadro só, por essas paredes fora
e mais: - que o seu último acabamento
somos nós que o damos nesta hora
neste momento.

Anda aí perdido um homem nessas tintas
abstratas que ninguém entende
(e aqui muito à puridade, vingue-se nisto!)
o quadro não se vende!
                        João Maia, Poesia (quase) Toda, p. 280


O poemazinho que hoje lemos é uma reflexão preparatória para  ida a uma  exposição de pintura (uma angústia entornada).
           
1. Disponhamo-nos a ver-nos na expressão artística dos outros.
A pintura, como todas as outras artes, é um confronto do homem consigo mesmo, ou melhor, é a luta de um artista à procura de si mesmo. Tenhamos, pois, a humildade de prestarmos atenção à luta dos outros - e entremos. Se é certo que aí encontraremos traços de luta alheia - é também muito provável que aí descubramos a nossa.

2. Deixemos à porta preconceitos e convenções. Vejamos demoradamente, e interroguemos.

3. A resposta bem conhecida: uma exposição de pintura não tem definição. São tintas entornadas por vários quadros, mas... o verdadeiro quadro não está ali. O que temos na exposição são várias tentativas dum quadro que ainda não foi pintado - e que nunca o será...                                       
                                   Anda aí perdido um homem nessas tintas
                                   abstratas que ninguém entende

Na pintura, na música, na poesia - em todas as artes -  anda sempre perdido um homem. A cada um de nós cabe descobri-lo (descobrir-nos) em qualquer expressão artística que, como sabeis, pode ser de cores, de sons ou de palavras.

João Maia é um poeta maior:
                        - pela sua inspiração ou visão poética das coisas
                        - pela sua capacidade de expressão inteligível
                        - pela sua vastíssima cultura

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