Poesia às quintas (2)
João Maia
(1923-1999)
João
Maia é um poeta da nossa terra, ali de Fundada (Vila de Rei). Cedo foi para o
seminário dos Jesuítas, onde, entre outras coisas, foi Padre, poeta, professor do Ensino Superior,
crítico literário, comentador de rádio e televisão e grande escritor.
A
seu respeito, disse Bigote Chorão: “Dizia
Vitorino Nemésio que não é escritor quem escreve, mas só quem inventa
escrevendo. Ora, … João Maia está sempre a inventar. Assim, a cotovia é
“alegria do céu a tocar a terra”, o morcego lembra “farrapo esticado em varetas
de guarda-chuva”.
A sua poesia, como a sua prosa, são
invulgarmente belas. surpreendem sempre, tanto pela excelência da forma como
pelo seu sentido poético.
Conheci-o
muito bem. Foi meu professor de literatura grega.
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Exposição de Pintura
É
preciso coragem
para
ir ver a nossa angústia entornada
o
último trapo a arder nos incêndios
e
a última tábua da lancha naufragada.
Deixemos
à porta a bengala e o chapéu
os
conceitos as noções convicções tropeços
e
a nossa doce paz e a nossa segurança.
Vamos
medir a olho e a pesar sem balança
estes
traços - restos que podem ser começos.
Primeira
pergunta: - é isto o Céu ou o Inferno?
-
Isto, meu senhor, não tem definição.
São
tintas anónimas, talvez nuas, porque não?
o
quadro não se vê mas acredite que é eterno.
Há
de reparar que é um quadro só, por essas paredes fora
e
mais: - que o seu último acabamento
somos
nós que o damos nesta hora
neste
momento.
Anda
aí perdido um homem nessas tintas
abstratas
que ninguém entende
(e
aqui muito à puridade, vingue-se nisto!)
o
quadro não se vende!
João Maia, Poesia (quase) Toda, p. 280
O
poemazinho que hoje lemos é uma reflexão preparatória para ida a uma exposição
de pintura (uma angústia entornada).
1.
Disponhamo-nos a ver-nos na
expressão artística dos outros.
A
pintura, como todas as outras artes, é um confronto do homem consigo mesmo, ou
melhor, é a luta de um artista à procura de si mesmo. Tenhamos, pois, a humildade de
prestarmos atenção à luta dos outros - e entremos. Se é certo que
aí encontraremos traços de luta alheia - é também muito provável que aí
descubramos a nossa.
2.
Deixemos à porta preconceitos e convenções. Vejamos demoradamente, e interroguemos.
3.
A resposta bem conhecida: uma exposição de pintura não tem definição. São tintas entornadas
por vários quadros, mas... o verdadeiro quadro não está ali. O que temos na
exposição são várias tentativas dum quadro que ainda não foi pintado - e que
nunca o será...
Anda aí perdido um homem
nessas tintas
abstratas que
ninguém entende
Na
pintura, na música, na poesia - em todas as artes - anda sempre perdido um homem. A cada um de nós cabe
descobri-lo (descobrir-nos) em qualquer expressão artística que, como sabeis, pode ser de
cores, de sons ou de palavras.
João Maia é um poeta maior:
- pela sua inspiração ou visão poética das coisas
- pela sua capacidade de
expressão inteligível
- pela sua vastíssima
cultura
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