Poesia
às quintas (4)
Ana
Rita Calmeiro é natural de Castelo Branco.
Estudou
aqui, andou por estas mesmas salas de aula – e daqui partiu para Coimbra onde
se licenciou em Direito.
Leitora
compulsiva, manteve, durante vários anos, a publicação semanal dum artigo sobre
obras culturais de publicação recente. Escreve muito bem.
Ela
é hoje distintíssima Advogada.
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A Gaivota
Quando olho para
trás
vejo sempre uma
gaivota morta
crucificada nos meus
passos.
Pressinto que é a
minha alma
cansada dos meus
voos tão altos!
Ana Rita Calmeiro, Luminária, Alma Azul,p.40
Como sabemos, a metáfora consiste na referência a um objeto em vez de outro, com fundamento na semelhança mútua.
Quando Ana Rita Calmeiro, para nos definir
um estado de alma, diz: "quando olho
para trás / vejo sempre uma gaivota morta / crucificada nos meus passos "
- o que ela faz é criar um símbolo que nos dá uma correspondência sensível dos sentimentos do sujeito
poético. Isto é: ela concretiza sentimentos numa imagem, que os traduz e no-los
torna inteligíveis.
Ser poeta é isso: ser capaz de criar símbolos que sejam encarnação dos
possíveis estados de alma.
A criação poética resulta de dois momentos:
- Momento da inspiração: o poeta capta ou
apreende beleza, atravessado por uma emoção. Sente a beleza, delicia-se na
beleza – como os não-poetas a sentimos na delícia duma música, na contemplação
duma pintura ou na presença dum bailado;
- mas só é poeta
quem sentir a necessidade, e for capaz, de criar um texto que partilhe com os
outros a beleza intuída: é esse o momento
da criação.
Mas não confundais poesia com narração da
beleza intuída pelo poeta. Não! O objetivo do Poeta não é contar, mas criar símbolos
onde o sujeito poético se reveja e, sobretudo, nos possamos rever também nós.
Voltemos ao poema:
Quando
olho para trás... o que vejo são sonhos falhados. É como se visse, por terra,
morta, uma gaivota de voo esbelto..
Pressinto
que poderá ser esse o destino de minha alma, cansada de voos tão altos.
O Poeta é um contador de estórias, um criador de enredos e
de símbolos que tornem sensíveis os sentimentos universais: alegria, angústia, surpresa, medo, esperança.
Por isso, não há poesia sem outro,
ou seja, o poeta cria para partilhar. Ninguém é poeta para si mesmo.
Será uma forma de disfarce de incapacidades poéticas fechar de tal modo um poema que
este se torne incompreensível. A Poesia não é uma ciência enigmática, nem
coabita com charadas!
Quando não entenderdes um Poema, deixai-o!
O Poeta não foi capaz de ser claro por
não ver claro; em vez de sol, ele tinha nuvens, complicações, problemas,
charadas dentro de si. Como podemos nós entender tais poetas se eles não são
capazes de encontrar expressão inteligível e partilhável? Há um poema VER CLARO
de Eugénio de Andrade que é muito elucidativo a este respeito. Estudá-lo-emos.
Vamos reler, agora, o poema da Ana Rita
Calmeiro.
-
que clareza!: o símbolo é imediatamente apreendido;
-
que força!: em poucas palavras, define um estado de alma;
-que
surpresa! - a originalidade do símbolo e a economia de palavras conseguem
transmitir-nos um estado de alma complexo em que todos gostamos de nos
ler (de nos rever).
Formalmente, estamos perante um poema
curto, à maneira do haicai, composição
japonesa com 17 sílabas métricas.
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