terça-feira, 31 de julho de 2012


O predicativo do complemento direto


Carla disse
Podia, por favor, dar um exemplo daquilo que, no seu entender, é um predicativo do complemento direto?
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Os predicativos do c.direto são grupos sintáticos que, opcionalmente,  adicionam à frase informação sobre constituintes  que nela desempenhem a função de complemento direto.
1.   Hoje vi a Margarida.
2.    Hoje vi a Margarida picando couves
3.    Hoje vi a Margarida, de manguinha curta, picando couves.
4.    Hoje vi a Margarida, alegre, de manguinha curta, picando couves.

Na frase 1 temos uma frase simples, gramatical. Nela, Margarida é complemento direto.
Suj.: eu (subentendido); pred.: vi  a Margarida; a Margarida: compl. direto.

Na frase 2, adicionámos uma informação opcional a respeito da Margarida. Porque Margarida é complemento direto, aquele atributo (gerúndio) é predicativo do complemento direto.
Nas frases 3 e 4 –  temos outros atributos opcionais de Margarida, logo, outros predicativos do complemento direto.

Características:
1.     Os predicativos do complemento direto são opcionais: quer isso dizer que, retirados da frase, esta mantém a sua gramaticalidade.
                      
2.    Os predicativos podem antepor-se ao verbo, mantendo a frase todo o seu sentido:
                                   De manguinha curta, picando couves, vi hoje a Margarida

3.    Os predicativos não acompanham a pronominalização do complemento direto:
                            Vi-a hoje, de manguinha curta, picando couves

Predicativo do complemento direto é, pois, um atributo que opcionalmente se insere numa frase como predicação dum constituinte que nela seja complemento direto.


quarta-feira, 11 de julho de 2012


O vulcão açoriano

Vem este título a propósito dum texto publicado ontem pelo Ciberdúvidas, e cuja autora é uma professora de português duma Escola nos Açores, em Vila Franca do Campo. O nome da senhora é DORA PATRÍCIA CAMBÓIA.
O  seu zelo vulcânico pela língua portuguesa é tal que me deixa muito maltratado, chegando a pedir ao Ciberdúvidas que apague respostas minhas, pois elas “em nada dignificam o vosso trabalho”.

Esta senhora professora  tem, no Ciberdúvidas, um modelo: ela é fiel seguidora das análises feitas pela Dra. Maria Regina Rocha (“a única credível”, nas suas palavras).
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A senhora professora açoriana  retoma uma frase que eu analisei e onde, segundo ela,  é evidente o meu erro, felizmente corrigido pela Dra. M.Regina Rocha. E a frase é:
                  Joana declarou-se capaz de falar em público

Como a Dra. M.Regina Rocha, também ela afirma que aquele “se” é inequivocamente complemento direto e não sujeito como esse senhor (sou eu!) categoricamente afirma num discurso afetado.

Estão aqui em causa, além dos erros das duas professoras, o comportamento do Ciberdúvidas. Quando alguém, sem qualquer fundamento, lhe disse que uma resposta minha estava errada, o Ciber apressou-se a apagá-la. Quando é evidente que as respostas da Dra. Regina, no texto em que pretende corrigir-me, são uma sucessão de erros, o Ciberdúvidas não as apaga, e o resultado é evidente: numa Escola dos Açores, uma professora ensina disparates porque o Ciberdúvidas os mantém em linha.

Aquele texto que a Dra M.Regina Rocha publicou, pretensamente para corrigir erros meus,  deve ser apagado. Ele está inequivocamente errado, e induz em erro, como se prova com a declaração da nossa Colega dos Açores.
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Nem a Dra. M. Regina, nem a nossa Colega Açoriana deveriam ignorar que o complemento direto da voz ativa é o sujeito da voz passiva. Ponham aquela frase na voz passiva, e vejam se aquele se (ela) é sujeito do verbo declarar.  Verificarão que aquele se, na voz ativa,  não é complemento direto do verbo declarar, pois não pode ser seu sujeito  na voz passiva.

Para evitar dúvidas, ponho eu a frase na voz passiva:
Por Joana foi declarado que (ela própria) é capaz de falar em público.
Frase composta.
Suj.: a oração subordinada substantiva, completiva: que ela é capaz de falar em público; Pred.: foi declarado por Joana; por Joana: complemento agente da passiva, ou, de preferência, complemento de por.

Na voz ativa, a análise é:
         Oração composta.
         Suj.: Joana; pred.: declarou-se capaz de falar em público; se, capaz de falar em público: complemento direto.

         - se, capaz de falar em público: oração reduzida, oração pequena ou cláusula mínima, subordinada substantiva, completiva.
         Suj.: se; pred.: capaz de falar em público.

Estas análises não são opiniões. São as únicas gramaticalmente corretas.

O Ciberdúvidas, se quiser ser justo,  deve apagar os textos das duas professoras. Comprovadamente, eles divulgam disparates.

quinta-feira, 5 de julho de 2012


Poesia às Quintas (6)

                                     Ver Claro

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se  regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Os Sulcos da Sede - Eugénio de Andrade-2001

Este pequeno poema é de uma transparência luminosa e de uma beleza surpreendentes. Num estilo directo, claro, quase de prosa, Eugénio de Andrade apresenta uma tese, demonstra-a, e conclui. A verdadeira Poesia é assim: quase natural, sempre despretensiosa, humilde mesmo.
Desconfiai dos Poetas complicados! Querem ocultar o nevoeiro que lhes obscurece a alma..

Análise lógica:
Eugénio de Andrade começa por fazer uma afirmação: toda a poesia é luminosa.
Apesar disso, ele sente que, por vezes, o leitor tem dificuldade em ver claro, em apreendê-la, em senti-la, em identificar-se com ela – e tudo  isso é ler poesia.
(Notai a Antítese: poesia luminosa perante um leitor com nevoeiro dentro de si).

Mensagem de esperança: poderemos sempre chegar à Poesia: Se regressarmos - e notai a insistência - se regressarmos outra vez e outra vez e outra vez a essas sílabas acesas (a Poesia) o leitor ficará cego de tanta claridade (verso 10).
(Notai aqui a metáfora:  sílabas acesas)
O Poeta conclui: abençoado seja se lá chegar (verso 11)

Houve um Poeta Inglês - Keats - que escreveu: “A little of beauty is a joy for ever”: uma fração de beleza é um prazer para sempre. Ou, por outras palavras: Quem alguma vez tocou a beleza, ficou marcado para sempre.
É isto que, por outras palavras, nos diz Eugénio de Andrade: Abençoado seja se lá chegar.

Análise Gramático-textual:
É muito curioso este poema: ele constitui um pequeno enredo, fábula, trama, intriga ou diegese (todas estas palavras querem dizer o mesmo!) perfeitamente analisável sob o aspeto da Narrativa.
Neste poema podemos identificar:
-       proposição - ou prefácio, entrada, proposta inicial, apresentação. (v.1 e 2)
-       um (v.3,4 e 5)
-       um desenvolvimento (v.6 a 10)
-       uma conclusão (v.11).
Por outras palavras:
Eugénio de Andrade inicia o poema com uma afirmação genérica: Toda a poesia é luminosa, mesmo aquela que nos parece mais obscura.
É esta a entrada, proposta inicial, prefácio, ou a apresentação.

Mas...A afirmação inicial terá alguma dificuldade em se verificar, porque o leitor, às vezes, em vez de sol tem nevoeiro dentro de si. É o nó.

Como se transporá tal dificuldade, ou  como se desatará esse ?
Regressando insistentemente a essas sílabas acesas.
E este será o desenvolvimento ou a demonstração, ou a solução do nó.
Notai, mais uma vez, a metáfora: o texto poético, sendo arte da palavra, é arte das sílabas...Daí pois,  sílabas luminosas, sílabas acesas.

O último verso constitui a conclusão ou o fecho.
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Todo o texto deverá seguir esta ordem mínima:
            -1 - apresentação do que se vai dizer,
            -2 - dizê-lo (desenvolvimento)
            - 3 - conclusão

Finalmente:
Um texto poético não é excepção a este procedimento fundamental da comunicação humana. Desconfiai sempre dos poetas difíceis. Podeis crer que muito do que deles se diz e escreve não corresponde à sua poesia, mas àquela que alguns críticos querem, e desejam, ver nela.