sábado, 28 de dezembro de 2024

 

No passado dia 10 de dezembro, uma Colega, do Porto, fazia ao Ciberdúvidas a seguinte

 PERGUNTA 

Na frase: «Foi com ele e com os saudosistas que Pessoa começou a colaborar, ao alcançar a plena maturidade como escritor»,
- qual a oração desempenhada pelo segmento «que Pessoa começou a colaborar» e qual a sua função sintática?'
 
E a resposta do Ciberdúvidas foi:
«A frase apresentada é uma estrutura clivada ou de foco, que corresponde a uma construção que permite focalizar um dos elementos da frase. Neste caso, o foco recai sobre o complemento direto «com ele e com os saudosistas» .
 
Comentário:
Ó Ciberdúvidas, que distração é essa? Então «com ele e com os saudosistas»  é complemento direto?...  Apaguem isso!  
E deviam informar a consulente de que «que Pessoa começou a colaborar» não é oração nenhuma».
 
 A análise dessa frase deveria ter sido assim: 
«Foi com ele e com os saudosistas que Pessoa começou a colaborar, ao alcançar a plena maturidade como escritor»
 
Oração composta  
Suj.: Pessoa; predicado: começou a colaborar com ele e com os saudosistas; complemento adverbial de companhia (ou de colaboração ou comitativo): com ele e com os saudosistas; adjunto adverbial de tempo: ao alcançar a plena maturidade como escritor.
 
- ao alcançar a plena maturidade como escritor
Proposição subordinada adverbial temporal
Suj.: ele (ref.: Pessoa); predicado: ao alcançar a plena maturidade; compl. direto: a plena maturidade; predicativo do sujeito: como escritor
 __________
Como escritor: este COMO é um advérbio relativo, equivalente a na qualidade de, e introduz predicativos. Como escritor é predicativo do sujeito, porque referente a Pessoa, que é sujeito.
[Pessoa, ao alcançar a plena maturidade como escritor (na qualidade de escritor) começou a colaborar com ele e com os saudosistas]
 
Foi …que; é…que… são expressões reforçativas ou de realce, extraoracionais.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

«Ela foi a Paris com o João» /«Ela vive comigo»

Diz o Ciberdúvidas:

«Nestas frases, o constituinte «a Paris» desempenha a função de complemento oblíquo, ao passo que os constituintes «com o João» e «comigo» têm a função de modificador do grupo verbal.'(in Ciberdúvidas 38356)».

1.«Complemento oblíquo» e «modificadores do grupo verbal» não são funções sintáticas, mas invenções inexplicáveis que o Ciberdúvidas divulga e que resultam na iliteracia que as avaliações internacionais reconhecem e denunciam.

2. O objetivo da Sintaxe é, apenas, descobrir e poder transmitir o sentido da frase. Quando explicamos um texto a um aluno, dizendo-lhe que «ir a Paris» é um complemento oblíquo, ele não pode entender  o que se lhe diz.  Eu, com muitos anos de estudo, também não entendo. Ir a Paris é o lugar aonde se vai; vir de Paris é o lugar donde se vem;  passar por Paris é o lugar por onde ele passa.

O que se pretende com a Sintaxe é «revelar aos alunos o sentido dos textos» - e isso é fundamental para eles aprenderem a estudar.

3.Modificador do grupo verbal

Como poderá justificar-se que «ir com alguém»  seja modificador do grupo verbal? Modificador do quê?   

«Ir com ele» ou «viver com ele» são apenas complementos adverbiais de companhia. E isso toda a gente  o entende.

A Sintaxe é isto: descobrir e poder revelar o sentido do texto.  
«Modificadores do grupo verbal» e  «complementos oblíquos» são disparates inaceitáveis no estudo da Sintaxe.

 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

 

O verbo vestir, verbo leve ou de apoio 

Relia eu ontem umas páginas do romance  A Filha do Arcediago, de Camilo, quando me surpreendeu a frase que abaixo transcrevo em negrito:

«A carta, que recebi e devolvi pelo portador, era uma súplica de uma pobre amante de meu pai, que me pedia uma esmola. Fez-me tanta pena, que me vestiu de luto o coração!» (Camilo, A Filha do Arcediago, p. 84).   

Parei nesta proposição consecutiva «que me vestiu de luto o coração» 

Nesta proposição, o predicado é vestiu de luto (enlutou) o coração.

O verbo vestir é, aqui, um verbo leve, de apoio ou de suporte, portador de um nome preposicionado abstrato (de luto), parafraseável por enlutar.

O verbo, em «Vestir de luto o coração» não é certamente um verbo pleno (vestir uma camisa) mas de apoio a um nome abstrato que é o núcleo semântico dum predicado complexo.

ANÁLISE SINTÁTICA da frase

Fez-me tanta pena, que me vestiu de luto o coração!

Oração composta

Suj.: ela (a súplica); predicado complexo: fez-me tanta pena que me …; compl. direto: tanta pena que me vestiu de luto o coração; adjunto adverbial consecutivo: que me vestiu de luto o coração.

Proposição consecutiva 

Suj.: ela (a súplica da pobre amante); predicado complexo: me vestiu de luto o coração; complemento direto: o coração; compl. indireto: -me

O compl. preposicionado de luto pertence ao sintagma verbal: logo, é predicado. [Vestiu de luto:  pôs de luto, fez ficar de luto – enlutou].

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O Dicionário  Houaiss, numa frase «o sol vestiu a tarde de luz» classifica de luz como predicativo do complemento direto -  mas está errado. Vestir, aqui, não é verbo pleno, evidentemente, e o Houaiss errou.

Basta pormos a frase na voz passiva, assim: a tarde foi vestida de luz pelo sol e logo a Língua nos mostra que o compl. preposicionado (de luz) pertence ao sintagma verbal do predicado.