quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

 

O caminho para a literacia

O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro é, provavelmente, o romance pícaro por excelência em língua portuguesa.

Foi dele que retirámos as frases seguinte 

 

Sentado sobre os quadris, à beirinha do caminho, estava um lobo. Tinha o topete coberto de neve, neve que acamava à maneira do solidéu dum bispo… 

1. Sentado sobre os quadris, à beirinha do caminho, estava um lobo.
Oração simples
Suj.: um lobo; predicado: estava sentado sobre os quadris; adjunto adverbial de lugar onde: à beirinha do caminho.
[sobre os quadris é o modo único de um lobo estar sentado. Não é, pois, uma informação nova, mas inerente – válida pelo aporte de imagem visual]. 
 
1.         Na análise sintática, só as unidades de sentido (os sintagmas) é que desempenham função sintática (sujeito – predicado – predicativo - complementos e adjuntos). 
 
2.         [à beirinha do caminho é um sintagma (uma unidade de sentido). A frase ficaria correta sem este SN, assim: um lobo estava sentado sobre os quadris.
Os sintagmas que não tenham de estar nas frases, embora muito úteis pela informação, não são complementos, mas adjuntos adverbiais (de lugar, ou de tempo, ou de modo, ou de causa, etc…)  [Não são modificadores como por aí se diz! Em Sintaxe não existe a função de modificador]. 
 
3.         Notemos o diminutivo como expressão de intensidade: à beirinha do caminho (muito próximo, mesmo em cima do caminho) – como: pertinho de casa; juntinhos na praia, quentinhos nas aulas…etc… 
 
2. Tinha o topete coberto de neve, neve que acamava à maneira do solidéu dum bispo. 
[topete: cabeça]
Oração composta

 Suj.: ele (o lobo); predicado: tinha o topete coberto de neve, neve que…; complemento direto: o topete coberto de neve  que...

(neve) que acamava à maneira do solidéu dum bispo.
Proposição subordinada relativa, adjetiva 

Suj.: que (antec.: neve); predicado: acamava; adjunto adverbial de modo: à maneira do solidéu dum bispo[À maneira de: locução prepositiva de modo]
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Nesta oração 2, composta, o lobo tem o topete (a cabeça) coberto de neve,
- o topete não é complemento direto. O compl. direto tem de ser o topete coberto de neve e veremos de seguida porquê.
 
Analisemos a frase aquele pássaro tem asas.  Será uma frase gramatical? Não, porque o seu predicado não é portador de informação válida.
Como todos os pássaros têm asas, essa frase não aporta informação nova, válida. As frases não portadoras de informação válida, são inúteis, são disparates, não são analisáveis no campo da Sintaxe.
Mas é gramatical, válida, a frase o pássaro tem as asas partidas 
suj. o pássaro; predicado: tem as asas partidas; compl. direto: as asas partidas. 
Esta sim, é informação válida, aporta informação nova, aceitável, útil. 
 
O lobo da frase de Aquilino não tinha o topete (a cabeça) - todos os lobos o têm. Este tinha o topete coberto de neve - este sintagma npminal é que é predicado, informação válida, útil e, logo, gramatical.
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Porque o predicado tem de ser portador de informação válida, nova é que  os verbos copulativos, que são vazios de sentido, não podem ser predicado. Têm de ter a companhia de ATRIBUTO -  e é este é que, de facto, é predicado,  porque aporta informação válida.
 
A Gramática  https://bit.ly/3Wtcqmu  na página 5 explica , exemplifica e demonstra isto mesmo com toda a clareza. 


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

 

A situação caótica do ensino da sintaxe em Portugal empurra-me para a insistência na sua denúncia e para a demonstração da sua prática – apesar de uma e outra me serem bem penosas e muito trabalhosas.

 MAS NÃO DESISTIREI.

FRASE:
«E recolherom-se dentro à cidade pessoas da comarca de arredores.»
Pergunta dum professor: «da comarca de arredores» é complemento do nome pessoas?
E a resposta: 'O constituinte «da comarca de arredores» desempenha função de modificador do nome com valor restritivo' (???)
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A ANÁLISE SINTÁTICA DA FRASE É A SEGUINTE:
«E recolherom-se dentro à cidade pessoas da comarca de arredores.»
Oração coordenada copulativa
Suj.: pessoas da comarca de arredores; predicado: recolherom-se dentro à cidade; compl. adverbial de lugar onde: dentro à cidade.
 
1.       A análise sintática é a ciência da linguagem que, numa frase, reconhece os sintagmas e identifica a função que cada um deles nela desempenha. Foi isso que nós fizemos.
2.       Não existe a função de «modificador do nome com valor restritivo». Verificamos que alguns Consultores aplicam essa mesma designação aos Apostos - mas ela não existe. É pura invenção sem lógica nenhuma.
3.       O sintagma nominal  «Pessoas da comarca de arredores» desempenha a função de sujeito.
4.       Este sintagma poderia dispensar o adjunto adverbial locativo (lugar donde) «da comarca de arredores”
Porquê?
As pessoas que se recolheram dentro da cidade (lugar onde) vieram dalguma parte. A Língua não obriga a que se diga donde elas vieram. Estamos, por isso, perante uma informação opcional – adjunto adverbial de lugar donde - que, como todos os adjuntos, interessa para a informação, mas não para a gramaticalidade da frase. Por isso, não é complemento.
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A resposta do Consultor só deveria ter sido: “da comarca de arredores” é «adjunto adverbial de lugar donde»

domingo, 9 de fevereiro de 2025

 

Ainda os verbos atributivos

 

Em A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino, p. 95, deparei com esta frase que achei interessante para análise:

No povo, de facto, havia um ferreiro, mas era dos tais que chamam de maldição, quando têm ferro não têm carvão. 

Oração composta
No povo, de facto, havia um ferreiro, mas…

Suj.: não tem (o verbo haver é impessoal); predicado: havia um ferreiro; compl. direto: um ferreiro; adjunto adverbial de lugar onde: no povo.

- de facto, e também na verdade, no entanto… e outras locuções de tipo adverbial, são externas às orações, não fazem parte delas. Trata-se de expressões de pausa na fala.  Se retirarmos da frase essas locuções, notaremos que o sentido em nada se altera. Por isso, devem ser designadas de locuções extraoracionais.
 
- mas era dos tais que chamam de maldição
Oração coordenada adversativa
Suj.: ele (o ferreiro); predicado: era dos tais que chamam de maldição

- que chamam de maldição
Proposição subordinada relativa adjetiva
Suj.: indeterminado (eles, as pessoas): predicado complexo: chamam de maldição; complemento direto: que (os quais ferreiros).

- quando têm ferro não têm carvão
Proposição composta, adverbial explicativa

Suj.: eles (ferreiros); predicado: não têm carvão; adjunto adverbial de tempo: quando têm ferro.

- quando têm ferro
Proposição subordinada adverbial relativa livre (na altura em que…)

Suj.: eles (os ferreiros); predicado: quando têm ferro; complemento direto: ferro.
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…que chamam de maldição
Notaremos que o atributo preposicionado (de maldição) é parte do predicado. Os verbos semicopulativos, quando não plenos, são atributivos e NUNCA formam predicado sozinhos, mas sempre ligados ao atributo de que eles próprios são portadores. (Gram. Explicativa, p. 9, 10…).
 
O verbo cair é semicopulativo, porque pode ser pleno ou ser atributivo.

O santo caiu do andor.
Caiu mesmo! - verbo pleno. Suj.: o santo; predicado; caiu do andor; compl. adverbial de lugar donde: do andor.

O João caiu doente – Caiu mesmo? – não;  ficou doente sem esperar; adoeceu; não caiu. Suj.: o João; predicado: caiu doente (adoeceu). Doente é parte do predicado.

Não podemos dizer que João caiu (porque não é verdade), mas que caiu doente (predicado). Doente não á predicativo do sujeito –  faz parte do predicado, como sempre com verbos atributivos.

Em o João caiu desmaiado. [caiu mesmo! É verbo pleno]
Suj.: o João; predicado: caiu; predicativo do sujeito: desmaiado (ou: empurrado, ou bêbedo, ou atingido por um tiro…)