terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Modificador e Adjunto
O que se passou ontem no Ciberdúvidas é totalmente incompreensível. Um consulente perguntou se os advérbios então e  podem ser considerados adjetivos em frases do tipo: O então ministro; o dono da casa…

Resposta do Ciberdúvidas:
O uso de advérbios como modificadores de substantivos é correto.
De seguida,  o mesmo Ciberdúvidas confirma, citando a Gramática do português (Gulbenkian):
«[A]lguns advérbios, entre os quais um pequeno número com valor semântico temporal ou locativo, podem ocorrer no interior de sintagmas nominais cujo núcleo é um nome eventivo ou denotador de um cargo, função ou profissão, funcionando como adjuntos adverbiais»
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O Ciberdúvidas não terá notado que «não bate a bota com a perdigota».
O Consulente pergunta se aqueles advérbios são adjetivos; o Ciberdúvidas responde que  são modificadores, - e demonstra-o, citando a Gramática do Português que os classifica como adjuntos! Se não é conversa de moucos, bem parece!

Será que no SN «o então ministro» o advérbio modificará o nome ministro? Não!  Fará dele um ministro menor, maior ou mais eficiente? Não!  
Se o advérbio não modifica o nome, a que propósito chamar-lhe modificador?

O sintagma «o então ministro» refere-se a um ministro que o era numa determinada altura, ou seja, num determinado tempo. Esta informação temporal  do cargo de ministro é opcional, quer dizer que, retirada, o sintagma manteria a gramaticalidade.
Os constituintes adverbiais, ou de valor equivalente, que desempenhem na frase  funções opcionais tomam, em sintaxe,  o nome de adjuntos – enquanto que os constituintes de presença gramaticalmente imposta são complementos. As gramáticas modernas insistem na conveniência – pedagogicamente indispensável -  da caracterização semântica.

Logo, à pergunta se os advérbios e então, naqueles sintagmas, podem ser considerados adjetivos, a única resposta aceitável seria: não. São advérbios que desempenham a função sintática de adjuntos adverbiais ou circunstanciais de tempo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Gramática do Português

Foi  ontem apresentada na Gulbenkian a Gramática do Português.
Segundo o prof. Paiva Raposo, que foi um dos coordenadores dos  mais de quarenta  intervenientes na sua elaboração, não se trata duma gramática normativa, mas descritiva, da língua portuguesa.  No entanto, na sua resposta à pergunta  duma professora de português presente na sala se esta gramática viria pôr cobro à bagunça atual do ensino do português ele respondeu que não era a sua finalidade, mas que a acreditava possível.

Uma gramática descritiva da língua – e tenho presente o exemplo de duas recentes (Grammaire descriptive de la langue française, Roland ELUERD, Armand Colin,2002) e Gramática Descrptiva De La Lengua Española, RAE, 1999), - uma gramática descritiva da língua nunca pode evitar uma tomada de posição sobre questões que depois venham a ser tratadas por qualquer gramática normativa. Foi o que aconteceu com a “Nueva Gramática de la lengua Española” de Dezembro de 2009, que retoma toda a orientação da gramática descriptiva que a precedeu.

E será isto, seguramente, o que acontecerá entre nós. A situação atual é insustentável – e eu já a venho denunciando desde 2008.

Resta-me dizer que estive presente, via internet, na sala da Gulbenkian – e que estou ansioso pela chegada da Gramática do Português, de que  aqui falarei longamente.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A uma Colega de Matemática eu teria respondido …

Uma professora de Matemática de Caldas da Rainha  interroga hoje o Ciberdúvidas sobre questões de sintaxe.

Eu teria respondido:
1.     Não há orações substantivas relativas; seriam qualquer coisa e o seu contrário.

2.     Não há orações relativas sem antecedente. Pode este estar incorporado numa forma pronominal, mas o antecedente é condição determinante da existência de orações relativas. Que quererá dizer relativo? – que um pronome se relaciona com algo que o antecede. Se não houver antecedente, não há oração relativa! Como se pode falar em relativas sem antecedente?

3.     Não há orações substantivas com função de predicativo do sujeito.

Na frase: «O mais certo é chover amanhã», chover amanhã é sujeito; o predicado é é o mais certo. Nada mais.
Verbos copulativos ou atributivos são verbos de ligação (ou de cópula): ligam o sujeito ao predicado (que resulta do verbo copulativo mais o atributo).
.
4.     A noção de predicativo divulgada pelo Dicionário Terminológico e imposta pelo Ministério da Educação  – e que está na base das dúvidas da nossa Colega de Matemática -  não tem qualquer fundamento, e nunca deveria ter sido aceite, porque, à data da sua publicação, já era um anacronismo.

5.     Finalmente, a descrição sintática da frase que a Colega de Matemática propõe:

Entreguei a encomenda a quem indicaste
            Frase composta ou oração composta
Suj. (oculto) eu; pred.: entreguei a encomenda a quem indicaste; c. dir.: a encomenda; compl.ind.: a quem indicaste.

O pronome indefinido quem tem sempre incorporado um antecedente (aquele,a, es, as) do relativo que (que inicia sempre outra oração).Assim:

Entreguei a encomenda àquele (que indicaste)
Análise da subordinada relativa adjetiva (que indicaste)
Suj. oculto: tu; pred.: indicaste; c.dir.: que


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Finalmente, a Esperança!

Acabo de ler, na abertura do  Ciberdúvidas de ontem, que vai ser apresentada na Gulbenkian, no próximo dia 28, uma nova gramática do português. Até que enfim!
Surge a esperança de se acabar com a inaceitável  e incompreensível situação  atual.

Não imagino quem sejam  os seus Autores. Mas a qualidade da Gulbenkian, de quem fui bolseiro há mais de 50 anos, permite-me ter fundadas esperanças de que teremos, finalmente,  uma gramática do português sensata,  atual, credível. 

terça-feira, 28 de maio de 2013

Há, ou não, orações subordinantes?

No passado dia 24, uma professora do Porto, Daniela Figueira, fez ao Ciberdúvidas a seguinte pergunta:
«a oração subordinante não existe? ». E o Ciberdúvidas responde:  «A oração subordinante existe».

Ora, todos aqueles que seguem este meu  blogue sabem que eu sempre disse, e continuo a dizer, o contrário: a oração subordinante não existe. Existem conjunções subordinantes e coordenantes – que as nossas velhas gramáticas sempre chamaram, e bem, conjunções coordenativas e subordinativas. A sintaxe atual mantém a mesma designação e função para as conjunções - mas não reconhece tal designação nem função para quaisquer orações. A frase que a professora Daniela Figueira submetia a apreciação é a seguinte:
«Eu como fruta e bebo água porque me faz bem à saúde»
Estamos perante uma frase complexa: uma frase formada por orações de diversa natureza. Uma oração  principal (eu como fruta) uma coordenada copulativa à principal (e bebo água) e uma oração subordinada causal, introduzida pela conjunção subordinante (porque me faz bem à saúde).
A oração causal não apresenta qualquer dependência em relação quer à principal quer à coordenada. Tanto assim é que, eliminada, a frase manteria a sua gramaticalidade, - ou, em alternativa, poderia ser substituída por quaisquer outras orações, condicionadas, apenas, pela coerência semântica da conjunção que as introduzisse.
1.     A gramaticalidade da frase manter-se-ia se, em vez da oração causal, a subordinada fosse condicional (se tiver fome), temporal (logo que sinto fome), relativa adverbial (quando tiver fome) concessiva (embora tenha pouca fome), etc.  A oração principal não impõe qualquer vínculo sintático à subordinada. As orações nunca são coordenantes nem subordinantes.
2.     Podemos sempre inverter a posição duma oração subordinada, que a frase mantém o seu sentido, assim:  Porque me faz bem à saúde, eu como fruta e bebo água; se tiver fome, eu como fruta e bebo água; como qualquer outro ser vivo, eu como fruta e bebo água, etc…
3.     A oração subordinada é, apenas,  um adjunto sob forma oracional – e os adjuntos são livres de estar, de sair, e, até, de mudar de posição – porque nunca são selecionados por qualquer constituinte da frase.
E repetimos: não há orações subordinantes – nem nos casos em que  selecionam uma oração como seu complemento – que é o caso de:
Eu digo que isto é verdade.
Frase ou oração composta (aquela em que um nome assume uma forma oracional)
Suj.: eu; pred.: digo que isto é verdade; compl.direto: que isto é verdade.

- que isto é verdade: oração subordinada substantiva, completiva ou integrante.
Suj.: isto; predicado: é verdade.


Notemos que eu digo não é uma oração, mas, apenas, parte duma oração. Logo, não é possível – e estaria errado – classificar como oração subordinante uma oração que não existe, pois eu digo é, apenas, parte duma oração. E recordo o que tenho vindo a dizer: em sintaxe não há fases vazias.

domingo, 17 de março de 2013


A Espanha em choque
Ontem à noite, um canal espanhol  (Telecinco) promoveu um debate sobre o resultado de uma prova a que a Comunidade de Madrid submeteu os professores do ensino básico  que concorriam a colocação definitiva.

A primeira condição que aquela Comunidade impunha para a admissão era o saber elementar. Por isso, submeteu os concorrentes a uma prova minimalista, em que se testavam apenas conhecimentos que se esperam de um aluno de 12 anos, tais como:

                - localizar num mapa as principais cidades do país
                - saber por que províncias passam os principais rios
   - como se escrevem algumas palavras (pelos exemplos parece que os erros mais frequentes       estarão  na troca do  -b -  com   -v - )
    - quais as regiões autonómicas e quais as respetivas capitais,
    - distinguir um animal mamífero dum ovíparo
- e muitos outros temas que uma criança deve conhecer  ao terminar a sua  formação inicial –  (ensino primário era o termo usado pelos jornalistas).

Concorreram mais de 14000 (catorze mil!) professores –  e o resultado foi surpreendente: foram reprovados 86%  (mais de 12 000 professores).  Recordo que se tratava de professores já em exercício,  que se candidatavam a um lugar definitivo.
A Espanha está em choque.

Com a casa do vizinho a arder, acautelemos a nossa.
Se o Ministério da Educação de Portugal tivesse vontade – e  liberdade! -  para poder fazer o mesmo, receio bem que, na disciplina de português,  o resultado não seria muito diferente.

Não deveria ser professor de português quem não demonstrasse ser capaz de resolver, sem erros, uma prova de exame do 9.º ano da escolaridade. E não seria pedir muito, evidentemente. 

domingo, 3 de março de 2013


                   Redação

                        Uma senhora pediu-me
                        um poema de amor.
                        Não de amor por ela,
                        mas «de amor, de amor».
                       
À parte aquelas
            trivialidades «minha rosa, lua do meu céu interior»
que podia eu dizer
            para ela, a não destinatária,
            que não fosse por ela?
                       
Sem objecto, o poema
            é uma redação
dos 100 Modelos
            de Cartas de Amor.
                                                           Alexandre O'Neill

Notemos o título deste Poema: um título aparentemente remático. Dá a impressão de que O'Neill vai fazer uma redacção sobre um assunto qualquer. Mas não!
O Poema vai demonstrar que qualquer tentativa de poema de amor, sem ter como objecto o ser amado, seria mera redacção.
Este título é, pois, temático, ao contrário do que aparenta.

Mas vamos mais fundo - e analisemos o poema com alguma minúcia.
À maneira de desabafo, o sujeito poético conta uma situação: uma senhora pediu-lhe um poema de amor. E esta é a proposição, ou apresentação do tema, como já muitas vezes temos dito.
Mas há uma condição, um obstáculo, ou um : a senhora pôs como condição que o amor não seria por ela, mas um poema de amor sem destinatária.

Como vai O'Neill desenvolver este tema?
Dizendo, muito simplesmente, que  não é possível atender tal pedido.
É que - e é esta a conclusão -  sem objecto, o poema seria mera redacção.

Então… a Poesia tem um objecto?

É evidente que sim.
Já defenderam alguns - e esta foi a já velha posição de Sartre em Qu'est-ce que la littérature? - que a Poesia não é para significar coisa nenhuma. E colocam-na a par da música ou da pintura abstracta. As palavras na poesia seriam como as cores na pintura ou os sons na música...

Mas… perguntamos nós: então os sons ou as cores podem não querer dizer algo? Tanto fará, numa música, um som harmonioso como uma confusão de sons violentos?
E num quadro de pintura abstracta será indiferente a tonalidade escolhida pelo pintor?
É evidente que tanto a música como a pintura têm objecto na medida em que implicam sempre uma selecção de sons ou de cores - e, por isso, são expressão de algo. Porém na poesia, porque é arte da palavra, e esta é indissociável duma ideia, o compromisso com um objecto é ainda muito mais evidente.
Não é possível poesia sem palavras; e também não são possíveis palavras sem ideias.
Ao acontecer, a Poesia exprime sempre algo. Se o poeta tem um objecto, pode acontecer Poesia; se o não tem, o poeta cala-se, ou deveria calar-se. Poesia sem objecto, não, não a há.
O´Neill teve razão: sem destinatário não é possível um poema de amor....


sábado, 5 de janeiro de 2013


Bom dia, Lurdes Freire!

De uma antiga aluna – a Dra Lurdes Freire - recebi notícia neste blogue. Fiquei feliz.
Uma aluna de há 40 anos, hoje professora de história, recorda, ainda entusiasmada, as nossas aulas sobre os Lusíadas. Eram umas aulas interessantíssimas, com as alunas (tratava-se duma turma feminina) a tentarem descobrir o sentido de cada frase, e a marcarem, a lápis, o limite de cada oração.   Eram aulas de pura investigação, entusiasmantes. Recordo ainda aqueles vossos olhos jovens, maravilhados de que, afinal, o estudo dos Lusíadas era agradável.
Olha, Lurdes, ainda hoje é raro o dia em que não releio umas estrofes…  E continuo a descobrir no poema  novos motivos de encanto.

Há, na tua nota, uma referência à minha colaboração com o Ciberdúvidas. Colaborei, de facto, mas afastei-me. Este meu blogue apareceu como espaço alternativo à orientação ali seguida na divulgação da sintaxe atual. O Ciberdúvidas, em questões de sintaxe, anda atrasado 10 anos.
Pelo endereço cibersintaxe@gmail.com, envia-me o teu endereço – e o das colegas com quem tenhas contacto.
Um abração muito grande
Virgílio Dias