quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

«Ela foi a Paris com o João» /«Ela vive comigo»

 Diz o Ciberdúvidas:

'Nestas frases, o constituinte «a Paris» desempenha a função de complemento oblíquo, ao passo que os constituintes «com o João» e «comigo» têm a função de modificador do grupo verbal.'(in Ciberdúvidas 38356).

Raciocinemos um pouco: que diferença poderá alguém descobrir  entre estes dois complementos: «ir com o João» ou «viver comigo»?

«Ir com ele» ou «viver com ele» desempenham exatamente a mesma função: são ambos complementos adverbiais ou circunstanciais de companhia.

Os «complemento oblíquo» e os «modificadores do grupo verbal», de que fala o Ciberdúvida, não são funções sintáticas, mas invenções inexplicáveis que o Ciberdúvidas divulga e que dão os frutos que todos conhecemos pela péssima avaliação da Literacia  dos nossos alunos de Português.  

Também no mesmo dia 
uma Colega nossa, do Porto, perguntava ao Ciberdúvidas: Na frase: «Foi com ele e com os saudosistas que Pessoa começou a colaborar, ao alcançar a plena maturidade como escritor», 
- qual a oração desempenhada pelo segmento «que Pessoa começou a colaborar» e qual a sua função sintática?'

Resposta do Ciberdúvidas 'A frase apresentada é uma estrutura clivada ou de foco, que corresponde a uma construção que permite focalizar um dos elementos da frase. Neste caso, o foco recai sobre o complemento direto «com ele e com os saudosistas»  

Ó Ciberdúvidas, que distração é essa? Então «com ele e com os saudosistas»  é complemento direto?????...  Apaguem isso!

A resposta que deveria ser dada, deveria ser: «que Pessoa começou a colaborar» não é oração nenhuma. 

 Mas eu não gosto de deixar a resposta a meio, e faço a análise completa do texto, assim: 

«Foi com ele e com os saudosistas que Pessoa começou a colaborar, ao alcançar a plena maturidade como escritor»

Oração composta   
Suj.: Pessoa; predicado: começou a colaborar com ele e com os saudosistas; complemento adverbial de companhia (ou de colaboração ou comitativo): com ele e com os saudosistas; adjunto adverbial de tempo: ao alcançar a plena maturidade como escritor.

- ao alcançar a plena maturidade como escritor 
Proposição subordinada adverbial temporal

Suj.: ele (ref.: Pessoa); predicado: ao alcançar a plena maturidade; compl. direto: a plena maturidade; predicativo do sujeito: como escritor 
 __________

Como escritor: este COMO é um advérbio relativo, equivalente a na qualidade de, e introduz predicativos. Como escritor é predicativo do sujeito, porque referente a Pessoa, que é sujeito.

Foi …que; é…que… são expressões reforçativas ou de realce, extraoracionais.



terça-feira, 10 de dezembro de 2024

 

O verbo vestir, verbo leve ou de apoio 

Relia eu ontem umas páginas do romance  A Filha do Arcediago, de Camilo, quando me surpreendeu a frase que abaixo transcrevo em negrito:

«A carta, que recebi e devolvi pelo portador, era uma súplica de uma pobre amante de meu pai, que me pedia uma esmola. Fez-me tanta pena, que me vestiu de luto o coração!» (Camilo, A Filha do Arcediago, p. 84).   

Parei nesta proposição consecutiva «que me vestiu de luto o coração» 

Nesta proposição, o predicado é vestiu de luto (enlutou) o coração.

O verbo vestir é, aqui, um verbo leve, de apoio ou de suporte, portador de um nome preposicionado abstrato (de luto), parafraseável por enlutar.

O verbo, em «Vestir de luto o coração» não é certamente um verbo pleno (vestir uma camisa) mas de apoio a um nome abstrato que é o núcleo semântico dum predicado complexo.

ANÁLISE SINTÁTICA da frase

Fez-me tanta pena, que me vestiu de luto o coração!

Oração composta

Suj.: ela (a súplica); predicado complexo: fez-me tanta pena que me …; compl. direto: tanta pena que me vestiu de luto o coração; adjunto adverbial consecutivo: que me vestiu de luto o coração.

Proposição consecutiva 

Suj.: ela (a súplica da pobre amante); predicado complexo: me vestiu de luto o coração; complemento direto: o coração; compl. indireto: -me

O compl. preposicionado de luto pertence ao sintagma verbal: logo, é predicado. [Vestiu de luto:  pôs de luto, fez ficar de luto – enlutou].

___________

O Dicionário  Houaiss, numa frase «o sol vestiu a tarde de luz» classifica de luz como predicativo do complemento direto -  mas está errado. Vestir, aqui, não é verbo pleno, evidentemente, e o Houaiss errou.

Basta pormos a frase na voz passiva, assim: a tarde foi vestida de luz pelo sol e logo a Língua nos mostra que o compl. preposicionado (de luz) pertence ao sintagma verbal do predicado.

 


quarta-feira, 27 de novembro de 2024

 

O Ciberdúvidas vai às Escolas,

mas vai coxo…

 

Problema grave no estudo da Gramática em Portugal é que muitos professores vivem amarrados a ideias que correram no século passado, e  que ainda persistem por falta de estudo. O mal está em disseminar erros entre alunos e, coisa  muito grave, em escolas do Estado – e os responsáveis não se importam.

Em 21 de outubro e em 13 de novembro, afirmei neste blogue e no Facebook, e justifiquei, que os verbos copulativos NADA têm a ver com predicativos do sujeito, conforme consta na Gramática Explicativa da Análise Sintática, acessível a todos, todos, no GOOGLE Play Livros.

Dois Consultores do Ciberdúvidas, porém, em claro afrontamento ao que nela exponho sobre verbos copulativos, decidiram insistir nos seus erros  sobre o predicativo do sujeito; e, depois de terem ido à escola de Nelas, atingiram agora os alunos das escolas de Díli com soluções que  nada (mesmo nada!) têm de copulativo.

Se consultarem o Dicionário da Academia, observem que as entradas do verbo FICAR, até à 15.ª são todas próprias de verbos PLENOS – e verbo pleno é o avesso de verbo copulativo.  Só no grupo II, quando usado com o sentido de passar a ser, estar ou tornar-se é que o verbo FICAR é auxiliar, leve ou de apoio – e, quando assim, forma predicados complexos. Deveriam corrigir o que disseram aos alunos de Nelas e de Díli.

Caros Colegas, a SINTAXE mudou, mudem os Colegas também – como eu mudei, trabalhando arduamente, investindo na compra de boas gramáticas modernas e aplicando a textos dos nossos melhores escritores aquilo que fui aprendendo. Têm agora à vossa disposição, pela primeira vez – e nada conheço de parecido em qualquer outro país – mais de mil orações e proposições analisadas sintaticamente. Nunca assim se ensinou a SINTAXE.

Esta Gramática Explicativa da Análise Sintática pode ser uma boa muleta na vossa tarefa. Eu estudo Português, Latim e Gramática há 75 anos. E gosto do que faço.

Se nalgum aspeto discordarem da Gramática que vos proponho, não hesitem: exponham anonimamente, nos comentários do meu blogue, a vossa discordância. Farei o que puder para ajudar.

domingo, 24 de novembro de 2024

 


As unidades de análise sintática


 
Pergunta: o vocábulo «divino» desempenha a função sintática de complemento do nome? 
Resposta: o adjetivo «divino» desempenha a função de complemento do nome.
Estão erradas a pergunta e a resposta.
 
Perguntar qual a função sintática dum adjetivo numa frase é não ter em conta que as  unidades de análise sintática são sintagmas; e a resposta «que o adjetivo “divinoé  complemento do nome é tão despropositada como a pergunta. 
 
Quando se fazem perguntas de sintaxe, a resposta deveria ser sempre mostrada pela análise da frase; só mostrando é que as respostas serão credíveis.
 
Análise da proposição da frase: «Por isso vós, ó Rei, que por divino Conselho estais no régio sólio posto», olhai… 
 
- que por divino Conselho estais no sólio régio posto
Proposição subordinada relativa adjetiva
Suj.: que (antec.: Vós, ó Rei); predicado: estais no sólio régio posto por divino Conselho; complemento de agente da passiva: por divino Conselho; compl. adverbial de lugar onde: no régio posto.
___________
Resposta que deveria ter sido dada: o adjetivo divino faz parte dum sintagma preposicionado que desempenha a função de agente da passiva.
________________
Os Colegas de Português nunca como agora tiveram uma oportunidade de atualizar os conhecimentos de Sintaxe. Por isso, há muitos anos que navegam em incertezas permanentes. Como professor, senti isso com Os Lusíadas, e publiquei a sua versão orientada para o ensino em 2020; o mesmo acontece ainda com a Sintaxe,  e publiquei a gramática com mais de mil orações e proposições analisadas. Além disso, reativei o meu blogue cibersintaxe.blogspot.com e me disponibilizei a nele responder a quaisquer perguntas, mesmo anónimas, sobre o conteúdo dessa minha gramática. Quem quiser aproveitar…
 
 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

 

A ANÁLISE SINTÁTICA NO SÉCULO XXI 

 

Calaram-se, que a Custódia Planeta tinha lágrimas nos olhos… Sendo uma pobre de Cristo, amiga até de fazer um favor, a inveja, que matou Caim, não a deixava medrar.  (Aquilino Ribeiro - Terras do Demo, p. 274) 

Calaram-se, que a Custódia Planeta tina lágrimas nos olhos
Oração composta
Suj.: elas; predicado: calaram-se; adjunto adverbial de causa: que a Custódia Planeta tinha lágrimas nos olhos.
 
- que a Custódia Planeta tinha lágrimas nos olhos
Proposição subordinada adverbial, causal
Suj.: a Custódia Planeta; predicado: tinha lágrimas nos olhos; compl. direto: lágrimas nos olhos
 
Sendo uma pobre de Cristo, amiga até de fazer um favor, a inveja, que matou Caim, não a deixava medrar.
Oração composta
 
Suj.: a inveja que matou Caim; predicado: não a deixava medrar; compl. direto: -a (ela) medrar; adjunto adverbial de causa: sendo uma pobre de Cristo, amiga até de fazer um favor.
 
- que matou Caim
Proposição subordinada relativa, adjetiva
Suj.: que (antec.: inveja); predicado: Matou Caim; compl. direto: Caim.
 
- a (ela, a Custódia) medrar
Proposição subordinada, infinitiva, substantiva
Suj.: a (ela, Custódia); predicado: medrar
 
- sendo ela uma pobre de Cristo, amiga até de fazer um favor
Proposição subordinada, adverbial, gerundiva
Suj.: ela (Custódia); predicado: sendo uma pobre de Cristo, amiga até de fazer um favor. [amiga até de fazer um favor: aposto ao nome Custódia]

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

 

E voltamos aos predicativos! 
 
As gramáticas definem, e bem, os predicativos como predicações secundárias;  querem assim dizer que predicativo é predicação em segundo lugar na frase (o 1.º lugar é o do predicado).
 Os predicativos, predicações secundárias, são também opcionais (sempre dispensáveis na gramaticalidade de qualquer frase. Queremos com isto dizer que, retirados da frase, ela continuará gramatical, correta. Por outras palavras: predicativo NUNCA tem de estar na frase).  
 
Qualquer predicativo (e só os há do sujeito ou de qualquer complemento) tem uma função exclusiva: predicar secundária e opcionalmente sobre o sujeito ou sobre um complemento. Não há outros predicativos.
 
A frase:
Esta casa é do meu primo Tó não pode ter outra análise que não seja: Suj.: esta casa; predicado: é do meu primo Tó 

Mas poderia receber um ou vários predicativos do sujeito, assim, por exemplo: 
 
Esta casa, acabada de fazer, é do meu primo Tó
Suj.: esta casa; predicado: é do meu primo Tó; predicativo do sujeito: acabada de fazer. 


 


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

 

As orações sintáticas não se dividem

Na análise sintática é um erro qualquer tentativa de divisão de orações, porque o sentido da maior parte delas só se completa pela sua ligação a outras.

1.     Uma oração (o sentido duma frase)  pode ser simples, como 

O João disse a verdade  
Oração simples
              Suj.: o João; predicado: disse a verdade; compl. direto: a verdade

Esta oração é simples porque exprime um sentido completo, sem necessidade de recorrer a outra oração para expressão da sua ideia.

2.     Mas a oração 
        O João disse que tu mentes 
        Suj.: João; predicado: disse que tu mentes; compl. direto: que tu mentes

Nesta oração (que é uma oração, uma unidade de sentido) aconteceu que precisou de outra oração para ir ao encontro do seu  complemento direto.

Na oração 1, simples, o complemento direto era um nome a verdade; na oração 2, composta, o complemento é uma oração: (que) tu mentes.

 Quem pode dizer a um aluno que João disse é uma *oração subordinante, não sendo ela, sequer,  uma oração?

Sócrates foi morto sob o pretexto de corromper a juventude. Foi um crime hediondo, causado por um pretexto.

E os professores que publicam gramáticas cheias de disparates não prejudicam gravemente a juventude?

E os professores que, atribuindo qualidade a essas gramáticas, as recomendam e ensinam, não prejudicam gravemente a juventude?

E as autoridades da Língua são ignorantes ou não se ralam?

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

 


 O Ciberdúvidas anda distraído da Sintaxe

1. Acabo de ser agradavelmente surpreendido com a decisão de o  Ciberdúvidas ir às escolas levar apoio à formação gramatical dos nossos alunos. Isso é ótimo. Deveria, no entanto,  ter em atenção o tipo de Sintaxe que lhes irá apresentar, porque a Sintaxe dos verbos copulativos explicada aos alunos de Nelas  não é própria deste tempo. A Gramática que lá ouvi  está fora de prazo – dum prazo já muito distante, ainda no século XX.

 

2. Apresento uma oração copulativa simples, assim: hoje está frio.  

Análise: 

Oração simples 

Suj.: não tem (oração impessoal); predicado: está frio; adjunto adverbial de tempo: hoje.

Nesta oração copulativa não se «liga» o sujeito (não o há!)  ao predicado; também não há cópula do verbo com um sujeito que não existe;  não pode ter predicativo do sujeito (porque, não havendo sujeito, não pode haver predicativo dele) - mas é uma oração copulativa! Embora minúscula, esta oração copulativa demonstra como a definição do Ciberdúvidas anda distante da Sintaxe atual.

3. Nos verbos copulativos e atributivos a cópula acontece na união do verbo com o atributo – e  essa união é que forma o predicado. Os verbos copulativos nada têm a ver com predicativos do sujeito.

4. Era meu dever dizer isto, porque poderia alguém, ao ouvir o Ciberdúvidas, pensar (e acreditar) que a Gramática da Analise Sintática que eu publiquei está errada. Mas não; nem fui eu que a inventei: ela resulta do estudo feito em  Academias da Língua; eu apenas assimilei suas ideias e as apliquei na análise de textos de grandes Autores em de Língua portuguesa: Agustina, Aquilino, Camilo, Eça, etc… São mais de 40 autores, e mais de 1300 orações e proposições.

5. Propus à Academia das Ciências a discussão e certificação desta Gramática Explicativa da Análise Sintática, mas nem resposta me deram. Insisti – e o resultado foi o mesmo. Com uma Academia assim, a Sintaxe da Língua portuguesa continuará obsoleta.

Nota: Os verbos copulativos estão na  minha Gramática, nas páginas 5 a 8 - e o acesso a elas está aberto, sem qualquer custo:  https://bit.ly/3Wtcqmu

2. Este texto, além do Facebook está publicado no blogue cibersintaxe.blogspot.com  onde tem uma apresentação mais explícita e onde é fácil comentar.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

 

Em Sintaxe só inventa quem desconhece o que de há muito é de todos conhecido.

Recentemente, deparei com uma análise sintática inexplicável, em Gramática, publicada  em março de 2023. O autor faz a análise da frase: «O João saiu de carro para a cidade»
Supondo conhecidos o sujeito e o predicado, ele faz a análise dos constituintes preposicionados, assim:
«de carro» desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal   
«para a cidade» desempenha a função de complemento oblíquo.

Não é aceitável que um professor proponha tais disparates a Colegas ou a alunos. A frase «O João saiu de carro para a cidade» deve ser ensinada (analisada) em dois momentos:

1. O raciocínio:

A frase fala do João - e diz que ele (João) saiu para a cidade [foi o lugar para onde ele saiu]. Logo: O João é sujeito; o predicado é: saiu para a cidade.

a frase diz-nos ainda que saiu de carro.
de carro é o modo como o João saiu da cidade – ou melhor: foi o meio ou instrumento de que o João se serviu para sair para a cidade.

2. A análise:

O João : sujeito
saiu para a cidade:  predicado.
- para a cidade: complemento de lugar para onde     
de carro:  adjunto adverbial de meio ou instrumento  (podia ter saído de bicicleta, de comboio…)

 Colegas professores de Língua portuguesa, a análise sintática é uma tarefa fundamental no ensino da Língua e, sobretudo, o meio mais eficiente para os nossos alunos aprenderem a estudar.

 Deixem os modificadores, porque, em sintaxe, tal designação  não existe, nem ajudaria a entender nada.

Nesta frase, de carro indica o modo como o João saiu, ou o meio de que João se serviu.  Classificar de carro como modificador do grupo verbal, é um disparate sem qualquer sentido; nem existe em Sintaxe.

-  classificar para a cidade como complemento oblíquo ajudará mais o aluno a descobrir o sentido do que  dizendo-lhe que é complemento de lugar para onde? – Claro que não; nem existe tal complemento em Sintaxe.

Na análise sintática não existem, nem nunca existiram essas aberrações de complemento oblíquo ou de modificador do grupo verbal. A análise sintática tem como objetivo a descoberta e revelação do sentido da frase. Em Sintaxe, procuramos o sentido da frase: quem...? o quê?... como?.... onde?... donde?... para onde? porquê?....de que modo?  com que meio ou instrumento?....a causa... a finalidade... em que tempo...etc....

Só inventa quem desconhece o que de há muito é de todos conhecido.

 

sábado, 5 de outubro de 2024

 

A frase é uma sequência de unidades de sentido
 
Eu peço desculpa por vir para o Facebook fazer análise sintática. Mas este é um serviço que tem de ser feito; a sintaxe é a base do estudo da Língua e condição fundamental para os alunos todos  aprenderem a estudar. Eles precisam urgentemente de olhar para uma frase e de tentar descobrir nela o seu sentido – mas ninguém se importa com eles. Alertei quem me parecia responsável; ofereci-me para discutir esta matéria: ninguém responde; o desinteresse é total. Que pena!

Hoje, dia mundial do professor,  e também título deste blogue desde 2012, a análise incide sobre uma frase de J. Cardoso Pires, que retirei do seu romance O Delfim,  publicado em 1968. É tido como a sua obra prima

_________________
 
Vi-o tratar do carro do Engenheiro, o rosto magro e o nariz sensível comandavam a certeza dos movimentos, enquanto a mão agia solta, como se pensasse. (J. Cardos Pires, O Delfim, p. 270)
O Narrador refere-se a um operário, o Domingos, que tratava habilmente do carro do Engenheiro)
 
Vi-o tratar do carro do Engenheiro
Oração composta
Suj.: eu (implícito na 1.ª pessoa do verbo VER: eu vi…  vi o quê?: - complemento direto: -o tratar do carro do Engenheiro

- o tratar = o Domingos tratar…;  -o é um pronome que é sujeito de tratar. As orações no infinito, em português, são como em Latim: têm o sujeito em acusativo (pronome sob aforma de complemento).

-o tratar do carro do Engenheiro
Proposição (subordinada) infinitiva, substantiva
Suj.: -o (referente: Domingos); predicado: tratar do carro do engenheiro; complemento direto preposicionado: do carro do Engenheiro; compl. nominal de posso: do Engenheiro. 

Esta oração infinitiva e substantiva foi complemento direto na oração composta. Na sua análise ela se tornou proposição. (oração, dentro de oraçã0, é proposição)

- o rosto magro  e o nariz sensível comandavam a certeza dos movimentos, enquanto a mão agia solta, como se pensasse.
Oração coordenada por aposição
Suj.: o rosto magro e o nariz sensível; predicado: comandavam a certeza dos movimentos; compl dir.: a certeza dos movimentos;  adj. adverb. de tempo: enquanto a mão agia solta...
 
- enquanto a mão agia solta como se pensasse
Proposição (subordinada) adverbial temporal
Suj.: a mão; predicado: agia; predicativo do sujeito:  solta, adjunto adverbial de modo: como se pensasse.
 
- como se pensasse
Proposição subordinada adverbial, relativa livre
Suj.: ela (a mão); predicado: pensasse.

Forma passiva: Vi ser tratado por ele o carro do Engenheiro.  
O suj. da voz ativa é, na forma passiva, agente da passiva .

 Ainda alguém terá dúvidas de que o -o, de Vi-o é sujeito da proposção infinitiva?

quarta-feira, 25 de setembro de 2024


Como estudar A SÉRIO a Língua portuguesa?

Com a disponibilidade  da IA, tive  a curiosidade de saber que tipo de respostas dela se obtêm em questões se Sintaxe. E fiz ao Copilot da Microsoft a pergunta seguinte: Copilot, diz-me cá: sendo a primeira abordagem ao estudo duma Língua o conhecimento da sua morfologia, que disciplinas seguintes me sugeres para um seu conhecimento profundo? – e a resposta foi:

1. Sintaxe: Estude a estrutura das frases e como as palavras se relacionam entre si. Isso inclui a análise sintática, concordância e regência.

2. Semântica: Explore o significado das palavras e como elas são usadas em diferentes contextos. Isso ajuda na compreensão e interpretação de textos. Sugeriu, em seguida, a pragmática, a história da língua e, finalmente, a leitura de obras literárias.

Nada de novo, portanto, que viesse alterar as minhas precedências neste estudo, já que eu sempre pus a Sintaxe em primeiro lugar – e tinha que pôr, inicialmente,  por causa do Latim. Com o passar dos anos (estudei latim durante 8 anos + 3 na Faculdade de Letras) a Sintaxe tornou-se-me um modo de pensar que se foi afinando e me permitiu criar um novo modo de a entender – e que, agora, estou a divulgar, por ter como base o sentido do texto,  por revelar a sintaxe dos verbos atributivos,  por resolver o modo de análise das perífrases verbais, por eliminar a divisão de orações, que nunca deveria ter existido, etc. 

Tudo isto pode ser visto sem custos, pois que o acesso, no Google play é livre até à pág. 46. Aceito, e peço, críticas e sugestões de preferência aqui no Cibersintxe. Tudo explicarei e, sendo caso disso, corrigirei.

Depois deste parêntesis, regresso  ao Copilot e ao Gemini, de que falava; nem um nem outro dispõem ainda de estruturas de análise fiáveis a que, no campo da Sintaxe, possam recorrer. Tenho passado algumas horas com eles, e uns dias vejo-lhes progressos, noutros voltam à tradição.

Como é hábito, analisamos hoje um texto de Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal, 336).

... uma falência, por mais estrondosa que fosse, era a melhor solução, deixando-lhes livres as vinhas de Campo Raso.

Nunca se pode tentar a análise sintática dum texto sem primeiro o lermos atentamente e apreendermos o seu sentido. 
Margarida está a dizer que “uma falência, apesar de ruidosa  no povo, seria a melhor solução, desde que  dessa falência não fizessem parte as vinhas de Campo Raso.

Oração composta

Suj.: uma falência; predicado: era a melhor solução; adjunto adverbial de concessão: por mais estrondosa que fosse.

     Por mais…que; por menos…que; por muito que… introduzem proposições concessivas                intensivas (Bechara, Gramática, p.603)  


- por mais estrondosa que fosse
Proposição subordinada concessiva (intensiva)

[esta oração foi adjunto na oração composta . Por ter desempenhado função sintática na oração composta, recebe agora a designação de proposição].

Suj.: ela (a falência); predicada: fosse estrondosa

- deixando-lhes livres as vinhas de Campo Raso
Proposição subordinada adverbial gerundiva

Suj.: ela (a falência); predicado complexo: deixando-lhes livres as vinhas de Campo Raso; complemento direto: as vinhas de Campo Raso; compl. indireto: -lhes.

(Nas páginas 10 e 11 da Gramática  - de acesso livre até à página 46 - explico minuciosamente a sintaxe do verbo deixar, verbo atributivo.

 

 

 



sexta-feira, 13 de setembro de 2024

 

Era intenção minha dedicar hoje o dia ao estudo do  Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, recentemente renovado pela Academia das Ciências de Lisboa,   mas deparo com o acesso capturado por uma empresa de apostas de jogo que, recentemente, se terá instalado em Portugal. Não sou apostador, mas, se o fosse, duvidaria seriamente da honestidade duma empresa que não olha a meios para atingir os seus fins. A mim prejudica-me há três dias. 

Quis contactá-la por telefone ou mail. Impossível. Dois endereço de mail que indica no site não são aceites para envio; número de telefone, não dei com ele: artimanhas que esse tipo de empresas vem praticar a este pequeno quintal, que é o nosso país perante o deles, e, certamente, com as nossas autoridades distraídas como habitualmente no deles.

 Talvez a Academia das Ciências, tão distraída em questões gramaticais, seja agora mais eficiente na libertação do seu site aprisionado. Resta-me esperar

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

 

SINTAXE

Urgência na sua atualização

Causará espanto que um professor de Língua portuguesa venha para o Facebook fazer análise sintática - como cá estão outros, profissionais ou não, a fazer poesia, a falar de música ou velhos amigos a celebrar encontros, a noticiar sucessos e não só...

É minha opinião que a Língua portuguesa não só tem lugar nesta REDE SOCIAL, mas até que ficará aqui muito bem. Não há nada tão social como a Língua que é propriedade de todos - mas não podemos tolerar que nela intervenha a irresponsabilidade de alguns.  A sociedade definiu autoridades da Língua que serão, suponho, o Ministério da Educação e a Academia das Ciências. Só estes dois órgãos têm poder para determinar e fiscalizar o seu modo de funcionamento que terá nos professores, devidamete licenciados, a responsabilidade de a ensinar. Se estes erram - e a situação atual é profundamente desastrosa - aqueles dois Organismos deveriam intervir.

Há poucos dias entrei numa livraria e peguei numa gramática do 9.ºano: um luxo de imagens, de cores, de espaços em branco. Fiquei surpreendido com tal abundância de imagens: campos verdes com árvores frondosas, animais em liberdade, ribeiras, pássaros voando, garotos cabeludos junto de cabanas em paisagens paradisíacas...  Fugiam-me os olhos, espantados, de imagem para imagem.

Resisti ao encanto, e fui dar uma olhadela à sintaxe. Que  desgraça!  Frases simples, ingénuas, do tipo: o caçador saiu para a caça, e, logo, a frase seguinte: o caçador saiu para a caça cedo. Com esta 2.ª frase os Autores mostravam o que, em sintaxe, é um modificador. Depois havia modificadores apositivos, apositivos do nome e  restritivos do nome... Só ali, quatro modificadores. Mas há mais: do verbo, da frase, de tudo o que se não souber classificar sintaticamente. Também lá estavam (claro!) as orações oblíquas, os predicativos do sujeito pedidos pelos verbos copulativos - e até o verbo ficar, numa frase em que é verbo transitivo preposicionado, era ali apresentado como copulativo. Em resumo: uma gramática que, exteriormante, é um luxo; interiormente, na sintaxe, é uma vergonha. 

A Língua portuguesa não pode ser assim vilipendiada. Não há quem mande nisto? Um país com gramáticas assim... e algumas delas com revisão científica de universidades.

No passado dia 5 de março contactei a Academia das Ciências por carta, propondo-lhe a análise e discussão das primeiras 25 páginas da minha Gramática, a fim de, posteriormente, ser toda discutida e certificada.  Há seis meses! - ainda não acusaram a recepção!

______________

ANÁLISE  
O barão não era tão parvo quanto se presume do título (Camilo, Eusébio Macário, 82).
(Presume-se: deduz-se, tem-se a ideia a partir do título de barão)

 Oração composta
 Suj.: o barão; predicado: não era tão parvo quanto se presume do título

- quanto se presume do título
Proposição subordinada adverbial comparativa
Suj.: não tem (construção impessoal); predicado: se presume do título; complemento adverbial de origem: do título.
(Esta afirmação parece fazer-nos crer que, para Camilo, os Barões eram todos parvos. Mas, depois, em 1885,  não rejeitou o título de Visconde, que era apenas um grau superior ao de Barão).





terça-feira, 20 de agosto de 2024

 

A Perífrase na análise sintática 

Na página 58 da Gramática, definimos Perífrase como uma combinação sintática em que dois ou mais verbos (auxiliar e auxiliado ou principal) se juntam para a formação de um só núcleo de predicado - o que implica que o conjunto dos verbos das perífrases tenham o mesmo sujeito. 
Na frase que analisamos hoje, os verbos fazer e perder não formam perífrase, ou seja, o predicado não é fizera perder.

O raio do dinheiro enterrado fizera-lhe perder a alegria
(Aquilino, Terras do Demo, p.204) - [é do Rola (lhe) que aqui se fal

Assunto: o dinheiro enterrado;- que se diz desse dinheiro enterrado? - fez (causou) que alguém perdesse a alegria.  

 - e quem é que perdeu a alegria? - foi o Rola (lhe).

Então, o lhe  (o Rola) é sujeito de perder. 

Sabemos que  o sujeito da voz ativa é , na forma passiva, compl. de agente da passiva.
[(que) por ele (pelo Rola) fosse perdida a alegria]. Deste modo nos mostra a Língua que o lhe é sujeito de perder a alegria.
Além disso notemos que os dois verbos não têm o mesmo sujeito - o 1.º é o dinheiro; o 2.º é a pessoa que perde a alegria. Por isso, os dois verbos não podem formar um só predicado

O raio do dinheiro enterrado: trata-se aqui dum caso de Aposição valorativa ou enfática: cfr. Apostos, na p.51 e seguintes.

ANÁLISE SINTÁTICA
O raio do dinheiro enterrado fizera-lhe perder a alegria

Oração composta
Suj.: o raio do dinheiro enterrado; predicado: fizera-lhe perder a alegria; compl. direto: -lhe perder a alegria

- lhe perder a alegria
Proposição completiva, infinitiva, substantiva.
Suj.: lhe (o Rola); predicado: perder a alegria; compl. direto: a alegria

Esta frase de Aquilino é UMA ORAÇÃO COMPOSTA cujo compl. direto é uma unidade de sentido (uma oração).
Quando uma unidade de sentido (lhe perder a alegria) desempenha função sintática numa oração composta toma o nome de proposição.
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Os pronomes pessoais, quando são sujeito em proposições de infinito, tomam a forma de complemento [me - te - se - lhe - nos - vos - lhes] - como vemos claramente em:

O João viu-me comprar isto
Oração composta
Suj.: o João; predicado: viu-me comprar isto; compl. direto: me comprar isto

- me comprar isto
Proposição completiva, infinitiva, substantiva
Suj.: me; predicado: comprar isto; compl. direto: isto - (Gramática, p.147)

Havemos de notar que viu e comprar não formam perífrase - porque cada verbo tem sujeito próprio: O João viu - eu (-me) comprar isto. Logo, o predicado desta oração composta NÃO É viu comprar;  o compl. direto de viu é me comprar isto. [Notemos como a Língua  forma a voz passiva: isto ser compredo por mim. Ninguém pode duvidar de que o me seja sujeito de comprar.

As orações infinitivas têm o sujeito em acusativo (forma de complemento), como em latim. As perífrases estão explicadas e demonstradas na p. 58 e segs.